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A história real da foto da Mãe Migrante

A foto que ficou conhecida como Migrant Mother ou Mãe migrante é talvez o mais famoso retrato da Grande Depressão Americana da década de 1930.

Diz a lenda que a a foto da Mãe Migrante retrata Florence Owens Thompson em busca de um emprego ou de ajuda social para sustentar sua família. Seu marido havia perdido seu emprego em 1931, e morrera no mesmo ano. Ela tinha naquele momento 32 anos de idade e sete crianças para criar. A foto foi obtida pela fotógrafa Dorothea Lange na cidade de Nipono, Califórnia, em março de 1936.

A fotógrafa Lange trabalhava para a Administração de Segurança Agrária e foi assim que percorreu vinte e dois estados Americanos recolhendo imagens que documentam o impacto da Grande Depressão na vida dos trabalhadores rurais da época.

Mãe Migrante
A mais famosa fotografia da Grande Depressão Americana

Pois bem, comecei a escrever este artigo porquê em livro publicado recentemente e intitulado “Dorothea Lange: Migrant Mother”, a autora e curadora de fotografia do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) Sarah Meister conta que você pode saber se uma cópia da “Migrant Mother” foi feita antes ou depois de 1939, olhando para o polegar esquerdo da “Mãe migrante”.

A notícia me interessou pois o que Sarah Meister descobriu é que na fotografia original, a “Mãe Migrante” segurava a estaca que estava sendo usada para sustentar a tenda improvisada que abrigava sua família.

Photoshopando a Mãe Migrante

Segundo Meister, alguns anos depois (1939) Lange instruiu sua assistente a retocar a foto da Mãe Migrante e remover o polegar de Thompson porque a fotógrafa “considerou o polegar como um defeito tão gritante que não pensou duas vezes em removê-lo”.

Mãe Migrante
Antes e depois da fotografia da Mãe Migrante manipulada

Mas a história não acabou aqui. Roy Stryker, o chefe da fotógrafa na FSA (Farm Security Administration) não gostou nada da manipulação. Esse tipo de retoque era comum na época e até o New York Times usou a foto alterada, mas Stryker acreditava que a edição de Lange comprometia a autenticidade de sua foto e o próprio projeto documental da FSA. Mesmo assim a foto se manteve “Photoshopada”, digamos assim.

E a história ainda vai longe… Segundo o site Petapixel.com, no final dos anos 1960 a foto original da Migrant Mother (e outras 31 fotos não-retocadas de Lange) foi descoberta por um homem chamado Bill Hendrie na lixeira da Câmara de Comércio de San Jose, Califórnia.

Essa cópia da foto “Migrant Mother” foi vendida por US$ 141.500,00 Dólares em um leilão em 2002. Já as outras 32 fotos redescobertas foram vendidas em outro leilão 3 anos depois por US$ 296.000,00 dólares.

Bem, essa história toda me lembrou a questão do prêmio de fotografia Ciência e Arte, do CNPq, que não aceita a inscrição de fotos manipuladas. Aliás, como descrevi no artigo sobre o prêmio, essa é uma questão que sempre é levantada pelos fotógrafos que não gostam, (ou não sabem) manipular uma imagem no Photoshop. Eu era “purista” assim, mas desisti faz tempo e preciso escrever uma artigo sobre o assunto.

E daí?

Em primeiro lugar, depois de todas essa histórias, eu havia pensado que se fosse no Brasil ninguém saberia o nome da “mãe migrante”. Imaginei que se o caso ocorresse aqui a foto seria anônima mesmo que fosse feita no âmbito de uma pesquisa científica ou censo populacional.

Lembrei que o interesse que existe pela individualidade das pessoas pobres ou em situação de risco em nosso país é assombrosa. É como se elas não tivessem história…

Pois fiquei curioso e fui pesquisar. E daí, em segundo lugar, descobri que a retratada Florence Owens Thompson não só tinha história pregressa como futura! Caí do burro…

Mãe Migrante
Florence com seu retrato em foto de entrevista obtida em 1978

A vida de Florence

Segundo a Wikipedia (sim, ela tem um verbete!), Florence Leona Christie (seu nome de solteira) nasceu em 1 de setembro de 1903 e faleceu em 16 de setembro de 1983. Era de ancestralidade Cherokee e casou-se aos 17 anos com Cleo Owens, o filho de um fazendeiro do Missouri. Já morando na California, seu marido morreu de tuberculose em 1931 e depois ela se casou com Jill Hill, em 1933.

A foto da Mãe Migrante aconteceu quando ela estava viajando de carro com sua família e o radiador do motor quebrou. Eles pararam perto da de uma plantação de ervilhas onde um grupo grande de trabalhadores havia sido deixado sem pagamento, pois a safra havia se perdido.

Os lavradores estavam passando fome e enquanto seu marido foi a cidade próxima consertar o radiador, alguns filhos desses trabalhadores vieram a ela pedir para comer um pouco do almoço que estava cozinhando para seus próprios filhos.

Foi enquanto esperava o marido em seu acampamento improvisado, cercada de crianças esfomeadas, que a fotógrafa Lange apareceu tirando 6 fotografia ao longo de 10 minutos.

O olhar do fotógrafo

Querem saber o que a fotógrafa viu? Ela mesmo declarou: “Sete crianças famintas. O pai é californiano nativo. Estão desamparados no acampamento dos colhedores de ervilha … por causa do fracasso da colheita de ervilha precoce. Essas pessoas tinham acabado de vender seus pneus para comprar comida.”

É isso mesmo, Dorothea Lange viu o que quis! Aliás, ela nem perguntou seu nome. A identidade de Florence só foi descoberta 40 anos depois que um jornalista vizinho seu a reconheceu.

Ela e a família tinham muita vergonha da foto, pois os mostrava como eles não eram. Em uma entrevista de 2018 sua filha disse que “Nós nunca tivemos muito, mas ela sempre se certificou de que tivéssemos algo. Ela não comia às vezes, mas se certificava de que nós, crianças, comêssemos”.

Mãe Migrante
Florence com as filhas antes de falecer

Em matéria do New York Times de 2002 Florence foi citada postumamente dizendo que “Eu gostaria que ela [Lange] não tivesse tirado minha foto. Eu não ganhei um único centavo disso. Ela não perguntou meu nome. Ela disse que não venderia as fotos. Ela disse que me enviaria uma cópia. Ela nunca enviou.”

Pois é, mais uma coisa para se pensar…

É incrível como somos controlados pelo senso comum. Quem retrata a realidade tem que ser muito superior ao seu próprio olhar pois pode estar manipulando, mesmo que inocentemente, as opiniões dos outros sobre uma realidade. E pode estar sendo injusto, muito injusto…

As aparências enganam e isso um fotógrafo tem que saber muito bem.

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