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O jeito errado de fotografar desconhecidos na rua

Você já quis fotografar desconhecidos na rua? Bem, recentemente as redes sociais ficaram repletas de reclamações sobre um vídeo publicado pela Fujifilm onde essa prática acontece. O filme fazia parte do lançamento da nova câmera compacta X100V, um equipamento voltado para o consumidor do tipo “Street Photographer”.

O vídeo mostrava o fotógrafo japonês Tatsuo Suzuki num verdadeiro safari fotográfico pelas ruas de Tóquio. O problema era a maneira como ele abordava as pessoas, seu objeto fotográfico.

No vídeo o fotógrafo era mostrado andando de um lado para o outro como um felino, procurando sua “presa” de maneira agressiva. Alguns passantes que tentavam desviar dele eram praticamente encurralados por sua câmera. Algumas pessoas levavam um susto ao darem de cara, do nada, com o fotógrafo munido de câmera cobrindo o rosto na sua frente.

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Still do vídeo da Fufjifilm com o fotógrafo Tatsuo Susuki

E alguns dos comentários mais engraçados encontrados nas redes sociais falavam das “expressões faciais repulsivas” que o fotógrafo fazia.

Porquê fotografar desconhecidos

Alguns fotógrafos internacionais, apesar de conhecerem a qualidade da fotografia de Tatsuo Suzuki, não entenderam como a Fujifilm selecionou algo tão “duvidoso” como material de campanha publicitária para a empresa. Talvez eles tenham procurado associar o fotógrafo à sua imagem para tentar se “modernizar”, mas sua equipe de marketing esqueceu que o mundo mudou…

Como sou um livre pensador, hehehe, eu tenho algumas pistas sobre o assunto. Em primeiro lugar, e usando as referências de um artigo publicado por Allen Murabayashi no site Petapixel, é bom entender a história do fotógrafo.

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Um exemplo da fotografia cheia de tensão e surpresa de Suzuki

Suzuki começou na Fotografia Urbana quando tinha 43 anos. Seu objeto de “estudo” eram os moradores de rua da cidade de Tóquio. Então, para começar, é bom lembrar que nossos “homeless” brasileiros são um pouco diferentes dos japoneses. Se você quer ter uma ideia disso veja a animação de longa metragem Tokyo Godfathers.

Ah, um alto grau de tensão!

Voltando ao assunto, o foco de Suzuki ao fotografar desconhecidos é a realidade social. Em uma entrevista de 2013 o fotógrafo declara que “eu gosto das pessoas, então eu tiro fotos principalmente delas. Desejo expressar sua paixão, sentimento, dor e muito mais. Não estou interessado em fotos com boa composição… E não estou interessado em cenas cômicas ou engraçadas. Eu gosto de fotografar nas ruas com um alto grau de tensão.”

Em 2018, numa viagem pela Alemanha, ele comentou em uma entrevista o seguinte: “quando o sujeito e eu estamos nos encarando, as emoções do sujeito afloram. Minha intenção não é chocar as pessoas, mas sempre deve haver algum tipo de tensão. As fotos que eu tiro devem ressoar com o espectador.”

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Foto de Suzuki obtida em Hamburgo . A tensão subiu demais…

Já em outra entrevista, para o site Mirrored Society, Suzuki declara: “Achamos (NT: o coletivo do qual ele faz parte) que a gentrificação (NT: expulsão de uma população pobre de um determinado local por uma mais rica) em Tóquio é apenas uma imagem pública. A diferença entre ricos e pobres está aumentando cada vez mais. Há problemas acumulados, como trabalhar mal, morte por excesso de trabalho, abundância material sem felicidade, etc. Acreditamos e temos grande esperança na tarefa de poder captar esses fenômenos sociais através da fotografia de rua”.

Ou seja, a fotografia de Suzuki envolve realidade e desejo de mudança articuladas pela tensão entre fotógrafo e sujeito fotografado. Gente, eu sou um gênio da síntese, hehehe!!!

E no final das contas?

Com a reação da mídias sociais, o vídeo promocional com Suzuki usando a nova câmera Fujfilm X100V foi rapidamente apagado do site da empresa, mas uma cópia em baixa resolução foi postada aqui. Além disso existem rumores de que o fotógrafo foi retirado da lista de “embaixadores” patrocinados pela empresa.

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Still do vídeo da Fujifilm em baixa resolução que alguns usuários copiaram

No entanto o estrago já estava feito… e particularmente eu acho que tanto para a Fujifilm quanto para o fotógrafo!

Todo mundo sabe que estamos vivendo num momento de extremos. Apesar de entender o “conceito” por trás do trabalho de Suzuki ao fotografar desconhecidos, é preciso imaginar também o “motor interno” que move o fotógrafo. E esse impulsor pode ser apenas de caráter agressivo, reativo, em relação a forma como ele mesmo acha que é visto pelos outros. Na mesma entrevista feita na Alemanha ele declara que se continuar fotografando por muito tempo no país Europeu “…serei visto como um pervertido”. Xiii…

Aliás, segundo a matéria de Allen Murabayashi, Suzuki ainda não foi nem preso nem levou uma surra… Pelo visto seu Anjo da Gruarda é forte, hehehe, ou talvez ele nunca tenha vindo ao Brasil.

De qualquer maneira eu acho que esse tipo de atitude baseado em uma compreensão engajada do que é arte tem os dias contados. É interessante como as pessoas, em qualquer lugar do mundo, estão abrindo suas Caixas de Pandora individuais. E delas, surpreendentemente, sai o desejo de terem seu gosto estético, suas opiniões e sua integridade respeitadas.

Talvez a “lacração” tenha seus dias contados, sei lá…

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